terça-feira, 23 de novembro de 2010

Lima Barreto em dose dupla – e imprescindível



Publiquei neste ano Lima Barreto e a política : os "contos argelinos" e outros textos recuperados (agosto, PUC-Rio\ Loyola), em que resgato esse importante conjunto de contos até então parcamente editados (só numa edição de 1951),pouco conhecidos,estudados e divulgados, e mais 33 contos de mesmo teor político (mas sem a mesma linguagem alegórica e de simulacros dos "argelinos"), também meio-'enterrados': para ambos, foco uma análise até então inédita na obra de Lima,qual seja seu antipatrimonialismo ; e Lima Barreto versus Coelho Neto:um fla-flu literário (outubro, Difel), que trata de futebol, sim, mas muito mais de literatura, e expões,analiticamente, o repúdio de Lima à República e às formas de pseudo,falsa modernização pregada por ela, à qual se renderam e subjugaram,com perda de substância, os literatos e intelectuais de então, objetos das polêmicas e repúdio de Lima.
Lima Barreto e a política: os "contos argelinos" e outros textos recuperados resgata não apenas os importantes 13 contos a que Lima deu essa rubrica("argelinos" ( no livro interpreto e explico,supostamente- como legítimo exercício intelectual\histórico - o porquê da titulagem ) mas 33 outros contos escritos na mesma época sob os mesmos teor,timbre e foco político, mas sem a linguagem, forma e estilo alegórico e de simulacro dos "argelinos". Insisto nesse ponto -- e isso meu estudo diferencia-se e contrapõe-se ao brilhante trabalho de Lilian Moritz [Contos completos de Lima Barreto; Companhia das Letras,2010], que coloca os 46 sob a mesma rubrica de "argelinos" ,quando não o são (Lilian inclui no rol um 47o. conto, "Na avenida", que é comprovadamente crônica e não conto : como de resto 25 dos 45 contos inéditos que Lilian apresenta,num incomparável e esplêndido,admirável, trabalho de resgate e recolha, não são contos e sim crônicas).
Outro elemento, no tocante aos "argelinos" e aos 33 contos políticos que me contrapõe a Lilian está nas notas de contextualização e breves introduções que aponho a cada um deles, a meu juízo imprescindíveis para entendimento(e admiração) do leitor de hoje.Meu livro, vale enfatizar, é temático, não de foco e escala abrangente, per se já um viés de diferenciação. E além de tudo mais (ou por essa conotação especificamente temática) formulo uma interpretação, ou análise, nunca realizada em estudo da obra de Lima : seu antipatrimonialismo, no que se opunha essencialmente a toda forma de poder (do qual a República era a expressão mais bem acabada -- e seu repúdio ao futebol, p.ex. era antes e acima de tudo manifestação de sua repulsa à República.

conscientemente marginal, periférico, autoexcluído

Lima era assumida e consciente um 'marginal', um periférico -- sem necessariamente viver na periferia urbana geograficamente falando. e nisso chego a um tópico que submeti á discussão e reflexão no recente simpósio em que atuei, na Fac.Letras da UFMG, promovido pelo Neia-Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Alteridade.: o tema era exatamente esse "alteridade e subalternidade", itens sobre os quais discutiu-se, discorreu-se,refletiu-se em diversos painéis, que intento colocar sempre sob estudos, qual seja a alteridade, ou a condição de periférico, pode advir essencialmente de uma postura ideológica-filosófica, de uma forma de escrita,linguagem,temática, de um estilo narrativo, etc, não necessariamente de uma condição ou estado social, habitacional, etc etc.
Nesse simpósio a que me referi, alguns sustentam que a (importante -- estejamos todos atentos a isso) produção cultural da periferia,ou das 'quebradas', seja dirigida e consumida internamente, no próprio âmbito geográfico e social da comunidade; ao passo que outros -- entre os quais me coloco -- sustentam que deva sair 'para o mundo', que a chamada 'voz da periferia' se faça ouvir fora dos limites e círculos geográficos,sociais e culturais da comunidade.
Não tenho dúvidas de que isso propicia estimulantes estudos e reflexões.