quinta-feira, 15 de março de 2012

Petrópolis, (também) cidade literária

pelo 16 de Março,aniversário da cidade



Petrópolis não é apenas cidade de cunho histórico, político, institucional, verdadeiras ‘capital social’ do Brasil no século XIX,tendo sido de fato a capital administrativa do Império – cenáculo não apenas de residência ou hospedagem de figuras proeminentes do governo e administração pública,homens de Estado ( em Petrópolis, o então presidente Hermes da Fonseca casou-se com Nair de Tefé, em 1910; o presidente Nilo Peçanha mantinha casa de veraneio ,assim como o presidente Washington Luís -- tradição, seguido por presidentes como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Fernando Henrique Cardoso), inclusive estrangeiros (em 1861, Maximiliano da Áustria, que viria a ser imperador do México, visitou o Palácio Imperial, e ao longo da história da cidade, outras autoridades estrangeiras marcariam presença: Balduíno da Bélgica,em 1920 ; Carol I, da Romênia,em 1944; Olavo V, da Noruega, em 1967 ; os reis da Suécia, Gustavo e Sílvia,em 1984; em 1913 o então ex-presidente norte-americano Theodore Roosevelt, tal como os presidentes da Bolívia, Henrique Peñarada e o do Paraguai, Higino Moringo,ambos em 1943; representantes dos Estados americanos se reuniram na cidade em setembro de 1947, na Conferência Interamericana de Manutenção da Paz, no Hotel Quitandinha -- encontro que contou, entre outros, com as presenças de Harry Truman, presidente dos EUA, e de Evita Perón, que chefiou a delegação argentina)., diplomatas, até mesmo cientistas (os físicos Albert Einstein e Guglielmo Marconi, respectivamente em 1925 e em 1935; o cientista Peter Medawar, prêmio Nobel de Física em 1954, de ascendência britânica, nasceu em Petrópolis em 1929 e morou na cidade até os 14 anos de idade),e da própria ocorrência de fatos e eventos que marcaram a História brasileira tanto do século XIX como do século XX (Petrópolis passou a ser a capital fluminense em 1893 – ano da Revolta da Armada, quando a cidade do Rio de Janeiro ,então capital da República, foi bombardeada e declarada a fragilidade da então capital do Estado do Rio, Niterói -- até 1903).
Petrópolis é também autêntica ‘cidade literária’ – no acolhimento, permanente ou temporário, corrente ou circunstancial, de uma plêiade significativa de escritores,literatos,intelectuais, a ela ligados de uma forma ou de outra, que aqui residiram\residem, aqui estiveram, aqui mantiveram residência, etc.,e nela,ou inspirados nela,ou nela ambientadas,ou a ela referenciadas, conceberam, idealizaram,criaram e produziram obras ficcionais e não-ficcionais, textos em prosa e em verso, contos e novelas, crônicas e peças teatrais,ensaios e registros memorialísticos, discursos e conferências.
O papel da cidade na criação literária de escritores é tão incontestável, tamanha sua conotação, ou ‘força’ literária emanadas, que um dos maiores da Literatura Brasileira, Machado de Assis, que aqui nunca esteve ‘de corpo presente’ foi justo um dos que mais escreveram sobre ela,mais citou-a tanto em contos,romances e crônicas – além de nela ambientar sua primeiríssima peça teatral,”Desencantos”, de 1861, e de publicar alguns de seus primeiros poemas em 1858 e em 1859 no jornal petropolitano O Parahyba, aliás periódico importantíssimo na história da imprensa brasileira,ainda não devidamente estudado (preparo um livro especial sobre o tema). Que José de Alencar, freqüentador assíduo, escolheu a cidade como ambientação de passagem de sua primeira obra ficcional, a novela Cinco minutos, de 1856; Joaquim França Junior, que muito aqui esteve, ambientou a cidade em duas de suas peças, uma delas “De Petrópolis a Paris” infelizmente perdida; Olavo Bilac, “príncipe dos poetas brasileiros”, expressou numa crônica todo seu encantamento com a cidade, enaltecida sua beleza e ‘pureza’ para contrapor-se à hipótese de vir a ser capital do estado do Rio de Janeiro, como cogitado à época.
Petrópolis, se não berço de nascença, caso de Raul de Leoni, foi a cidade eleita para vivência – longas temporadas, veraneio e férias, residência final – por poetas de diferentes épocas e gerações, de Raimundo Correa a Manuel Bandeira, de Vinicius de Moraes a Dante Milano e Fernando Py. E viu nascer em 1932, e aqui viver por muito tempo, a escritora Sylvia Orthof, premiada nacional e internacionalmente por suas extraordinárias obras infanto-juvenis.
Alguns dos mais influentes pensadores brasileiros encontraram aqui o cenário ideal para produzir páginas importantes do ensaísmo histórico, político ou cultural – caso de Ruy Barbosa, um dos maiores intelectuais e figura política proeminente da história brasileira,que inclusive morreu em 1923 em sua casa petropolitana na avenida Ipiranga(chamada carinhosamente por ele de “Sweet Home”), e aqui escreveu por exemplo a maior parte das conferências que pronunciou em sua segunda memorável campanha presidencial(de 1909), em 1917 fez seu célebre discurso incentivando o alinhamento do Brasil com os aliados no Teatro de Petrópolis, concluiu a famosa “Oração aos moços”,de 1920, e também a introdução do primeiro volume da obra Queda do Império,de 1889; Joaquim Nabuco, em cuja casa na avenida Piabanha escreveu alguns de seus Pensamentos soltos, que veio a ser publicado em Paris em 1901; o barão do Rio Branco (josé da Silva Paranhos) elaborou em sua residência de verão, localizada na rua que hoje leva seu nome, e na cidade foi assinado em 1908 o Tratado de Petrópolis, que demarcou as fronteiras com a Guiana Holandesa e a Bolívia e incorporou ao Brasil, o território do Acre; Alceu Amoroso Lima,nascido no Rio de Janeiro em 1893, radicado em Petrópolis – sua residência, na rua Mosela, hoje é o Centro Cultural Alceu Amoroso Lima e seu pseudônimo Tristão de Atayde denomina o centro cultural da Prefeitura -- e aqui falecido em 1983 , tornou-se por várias décadas o mais influente pensador católico em atuação no país.
A cidade ofereceu as condições e circunstâncias para que Jorge Amado concluísse, em seu apartamento no antigo hotel Quitandinha, o romance Gabriela, cravo e canela. Que Alberto Santos Dumont elaborasse aqui seu segundo livro, o autobiográfico O que eu vi.O que nós veremos, em sua bela residência denominada “A Encantada”, hoje ponto de atração turístico-cultural ; também na casa teria sido escrito, por volta de 1902, um manuscrito de 312 páginas ,recentemente descoberto por familiares ,no qual destacam-se trechos sobre o sonho de virar aeronauta e o encontro com Thomas Edison.Abrigou o escritor austríaco Stephan Zweig durante os anos 1940, vindo da Alemanha sob o jugo hitlerista, para aqui escrever sua autobiografia O mundo que eu vi, a novela O jogador de xadrez, e sobretudo criar e publicar sua famosa obra Brasil, país do futuro,em 1941. Acolheu a poetisa chilena Gabriela Mistral, então consulesa do Chile (ao longo da Iª República, de 1889 a 1930, cerca de 30 países mantiveram consulados em Petrópolis, entre eles Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Rússia , Estados Unidos, Portugal, Uruguai,Chile, Noruega, Santa Sé.),durante a década de 1940, quando foi agraciada com o Prêmio Nobel de Literatura -- única mulher na América Latina a ser contemplada..E recebeu, por diversas vezes, na Samambaia, a escritora inglesa Elizabeth Bishop, amiga da arquiteta, paisagista e artista Maria Carlota Costallat de Macedo Soares(Lota).
Não há como deixar de se realçar a importância cultural de Petrópolis, mostrando contribuições e manifestações literárias e artísticas talvez pouco conhecidas ou mesmo desconhecidas por muitos, a proporcionar o pleno conhecimento desse aspecto marcante da cidade, expresso por escritores naturais ou não, residentes ou não, hóspedes ou visitantes,privilegiados pela tradição petropolitana de acolhida e reconhecimento, que com ela interagiram,e interagem, literariamente, num significativo painel de autores de extrema qualidade que contribuíram, e contribuem,por meio da Cidade Imperial, para a própria história literário-artística do Brasil.
[este texto faz parte do livro Escritores brasileiros e a cidade de Petrópolis, em sua Introdução, idealizado e organizado para a Secretaria Municipal de Educação, para circular e ser trabalhado em sala de aula na rede pública escolar].


2 comentários:

Matheus Andrietta disse...

Olá Prof. Mauro, boa noite!

Nós do InfoEnem ficamos lisonjeados pelas palavras e elogios,é muito gratificante saber que nossa série está contribuindo não só com os estudantes, mas com professores também. Seu blog, assim como seu currículo, possui um excelente conteúdo e certamente merece figurar juntamente com os blogues indicados.

Matheus Andrietta disse...

Agradecemos mais uma vez pelas palavras e também pela iniciativa de indicar seu ótimo blog a nossos visitantes.
Parabéns pelo trabalho que vem fazendo, espaços como o seu só enriquecem a internet e mostram que é uma ferramente fundamental na disseminação do ensino e da cultura.
Um forte abraço!